domingo, 23 de maio de 2010

O AMOR

"Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça.
Numa alameda do zôo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.

Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.

Então,
de todo amor não terminado,
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.

Ressuscita-me!
Nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!

Ressuscita-me!
Nem que seja só por isso!

Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
- Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja:
O pai,
pelo menos o Universo;
A mãe,
pelo menos a Terra."
Vladimir Maiakovski

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O POEMA NA ÓTICA DE UM ROMÂNTICO CONVICTO & DE UMA CIENTISTA POLÍTICA, TAMBÉM CONVICTA*
Escapando da moldura de simples poema, O Amor, que mais me atinge como prece, lança novo ideário. Proposta, que se bem analisada, nem é tão nova assim. Há de se parecer utopia pura. Retrocesso. Em meio a uma vida "evoluída", mesquinha e egoísta nos é proposto que saiamos debaixo de nossos - conotativos e denotativos - tetos. O poeta roga-nos atenção. Consideração para com o Deus que nós tanto distorcemos - divindade essa que é o AMOR.

Já existem palavras capazes de designar apreço, admiração e devoção. Isso não é amor. E, de certa forma, é também...
Nós, reles mortais - que temos fama de crucificar deuses - diariamente, dentro de nossa cada vez mais restrita convivência, fincamos maiores chagas e aprisionamos algo que deveria circular INDISTINTAMENTE não só entre humanos.

Quem nos passa essa mensagem não é ninguém menos do que um "eu lírico" possuído por esse deus. O próprio Amor clama que o ressuscitem! Nesse clamor, também o poeta grita. Quer ele viver para ver o amor liberto. Alforriado de contratos e de laços consanguíneos. Livre, fluindo entre o planeta. Que sejamos irmãos e nos reconheçamos como filhos do Universo e da Terra.

Uma das melhores coisas de se apreciar arte, quando a mesma é bem feita, é a impossibilidade de se existir apenas uma tradução. Ou seja, a arte por si só é inacabada. Cabe a quem vê realizar o acabamento. Múltiplos acabamentos. Plural.
Eu, por exemplo, por trás dessas grandes lentes românticas enxergo apenas fatias de um todo com muito mais significado do que possa supor a minha vã filosofia. Descobri com essa produção, que sou mais romântico do que acreditava ser.

Minha amiga Vanessa* (a querida cientista política que eu havia, humildemente, citado) - que, graças aos céus, possui visão bem mais ampla à minha - abriu-me os olhos para o teor altíssimo de Revoluçao Russa incrustado nessa produção. Saber que o autor é russo não me fez enxergar que isso pudesse ocorrer. Pesquisando sobre isso encontrei uma pensamento alheio do autor. Apartir dessa frase, não tive mais dúvidadas. Na minha opinião, não que essa descoberta diminua a beleza do poema. Além de romântico sou um utópico convicto. Portanto, agora eu admiro Maiakovski da mesma forma que aprecio Chico Buarque e sua incessante capacidade de injetar ideários revolucionários, subliminarmente, às letras.

"Sem forma revolucionária não há arte revolucionária."

Finalizo com um pedido. Acalme-se, não pedirei que ames o vizinho. Para o pensamento se tornar completo gostaria que, se possível, ouvisses a canção que me fez buscar o poema e permitiu que minha vida se transformasse quando o encontrei.

O título da mesma não poderia ser outro que não O AMOR, composição de Caetano Veloso e Ney C. Santos, interpretada com maestria pela MAGNÍFICA Gal Costa. Ouça-a por aqui.

Desde já agradeço a misericordiosíssima paciência.

Murilo Franco

PS: Vanessa, Deus lhe pague! (RS) Até porque Ele e eu bem sabemos que sem a sua METEÓRICA existência, colaboração e paciência para comigo esse sonho estaria com-ple-ta-men-te incompleto. Um beijo!

Um comentário:

Vanessa Isis disse...

"Minha amiga Vanessa* (a querida cientista política que eu havia, humildemente, citado) - que, graças aos céus, possui visão bem mais ampla à minha"

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Autodepreciação agora é moda? Queria enxergar a beleza das coisas na mesma intensidade que você, meu bem. É invejável esse poder de ter fé na humanidade (ou num poema que seja). Todavia, o mundo já me consumiu demais e agora só o que resta é a parte política de mim - deprimente, but truth.

Ah, e para constar também: adorei a citação. *-*

Beijos