quarta-feira, 24 de novembro de 2010

INFÉRTIL

Estou como criança que, frustrada, encara um desenho seu. Enquanto esteve na mente, era perfeito. Mas agora é feio, muito feio. De que me vale tê-lo imaginado lindo se agora é apenas um borrão sem significado?

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

MEMÓRIAS DAQUELE SONHO DE ANTES DE DORMIR

Amontoamos nossas malas no balcão e escolhemos o 701. Quarto bom, com vista para avenida e seus transeuntes formiguinhas. Pedimos que levassem a bagagem para cima e, sem rumo, nos soltamos. Tarde afora - adentro pela cidade.

As ruas estreitas e amontoadas ficaram ainda mais abobalhadas graças à cerveja de cada bom e mau boteco em nosso caminho. Riamos tanto que não sobrava espaço para conversa. Era um divertimento besta, sem razão de ser... Gratuito.

Altos da bebedeira, perdemo-nos incontáveis vezes até encontrar o hotel. Madrugada baixa, não tardava o amanhecer. Deus, como era impossível parar de rir.

E o 701 lá estava. Com sua cama de casal. Estávamos tão afoitos que acabamos esquecendo de pedir camas separadas. Agora era tarde.
Fingimos não haver problema algum nisso - até porque não existia mesmo. "A gente toma nossos banhos, depois é cada um pro seu lado". O novo dia nos esperava - e nos queria recarregados.
Você foi primeiro, bem jogo-rápido. "Banho sapecado, hein?"- brinquei eu.

Uma chuveirada fumegante deixou-me tonto de sono. A luz e o vapor do banheiro me guiaram à cama. Você, já do seu lado, me dava prováveis costas, inteiramente coberta pelos lençóis.
Tomei meu posto e descumpri nosso tratado em duas cláusulas, perdão.
Primeiro, não me virei para o lado oposto. Não fui capaz de ignorar-te.
Segundo, não pude conter minha mão. Quando dei por mim, estava eu a tocar e a acariciar você.
Seu sono era mesmo pesado. Imóvel estava, imóvel permaneceu.
Enchi-me de vergonha, e o sono veio me consolar.

Acordei e você já não estava ao meu lado. Lavei meu rosto e encontrei um bilhete seu no espelho. Não quis me acordar e foi tomar café antes que o horário acabasse. Mas que eu não me preocupasse, você e seu bom humor contrabandeariam comida para o quarto. Sorri.
Eu, que como obediente, sou péssimo, desci e te encontrei na recepção. Pelo menos comemos juntos. E sem crimes.

Dessa vez fomos mais longe, até uma cidade vizinha. Outro dia incrível. Nada se falou sobre meus atrevimentos da noite passada.
Exaustos, jantamos porcarias e bebemos mais ainda. Dessa vez sem risos, meus no caso. Sentia-me mal por ter quase destruído aquela amizade linda.

701, mais uma vez. Com uma ligeira diferença. Agora existiam duas camas de solteiro. E se não fui eu quem pedi...
Os pensamentos viraram auto-acusações. Tranquei-me no banheiro e saí de lá para dentro das cobertas da cama desocupada. Mutilado pela vergonha.

Eu já não raciocinava direito. Mas lembro-me do susto de sentir você chegando. Seus lábios encostando no meu ouvido e o sussurro:
- Você não acha que uma cama de casal era muito grande só para nós dois?

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

HEMISFÉRIOS

Eu trabalho em duas áreas de influência. Para manter uma eu preciso viver também a outra. Porque exclusividade não entra no pacote - pelo menos não no meu. Compreendo que vocês não se misturam. E até sei que é melhor assim. Sou grato a vocês. Quero agradecer por - ambas - me aceitarem, ainda que eu seja a ponte indesejada entre essas duas realidades. Enfim...

Um dos lados me faz mal - não que o outro também não faça - mas esse lado, em especial, tornou-se mais áspero. E eu não mais suporto. Isso eu pude perceber há tempos. Outra percepção minha foi que ao tentar abandonar a metade podre, eu corri risco de perder a maçã inteira. Vai saber? Descoberta: ainda que eu sofra a Norte, essa cruz faz-se necessária para que eu exista a Sul. Sim, eu sei que o problema é comigo - e não com vocês. Mas isso em nada muda a situação.

É como se eu precisasse buscar a chave para a minha casa em uma porta vizinha.

Minha motivação é o egoísmo - e não pensem que eu não me odeio por isso. Eu poderia viver sozinho, mas não consigo. Eu poderia viver para mim. Girar exclusivamente em minha função. Mas sou vazio demais para ter o que partilhar comigo mesmo. E a partilha é necessária. Preciso de alguém com o mínimo - e que ainda esteja disposto a dividir comigo. Encontrei-as. É por isso que eu necessito vocês. É pelo seu sangue. É pelo que vocês são. E é pelo que eu sou, também: um egoísta viciado - dependente de vocês.

Daria tudo para não estar entre esse fogo cruzado. No meio dessas chamas que tanto eu alimento - e que tanto me consomem. E o pior de tudo é que talvez apenas eu veja essas labaredas. Afinal, nunca atestei minha sanidade. Eu não posso me trocar - porque essa história para todo o sempre me perseguirá, mas eu troco vocês. Ambas. Troco-as antes que o que sobrou de mim - o meu resto - sucumba pelo calor de vocês. É, eu caio fora. Saio para respirar.

É por isso que eu estou de malas prontas.

INVOCAÇÃO

John W. Waterhouse
Deus dos sem deuses
Deus do céu sem Deus
Deus dos ateus,
rogo a ti cem vezes.
Responde quem és!

Serás Deus ou Deusa?
Que sexo terás?
Mostra teu dedo, tua língua, tua face,
Deus dos sem deuses.
Chico César

segunda-feira, 1 de novembro de 2010