terça-feira, 8 de março de 2011

MAL AMADA

Aconteceu na hora que fui avisar que o jantar estava pronto. Com uma mesa posta e uma família me esperando. Foi quando o acaso me valeu o dia e eu pude subir ao céu. De alguma forma, senti que o paraíso não é o bastante.
Tive de conter a fome e esperar pelo momento certo para não comer sozinha outra vez. Com o jogo finalmente no intervalo, fui atrevida, entrei na sala e desliguei a televisão. "Chega. Agora é hora da janta!"

Minha última lembrança do dia foi ver minha família correndo para a mesa. Sequer me recordo de vê-los comendo. O dia acabou por ali.

Fui fisgada por uma sensação repentina, avassaladora e louca. Não podia estar mais desarmada. A sensação? Não preciso saber se ela tem ou não um nome. Certa estou é de que nunca a senti antes. Era um misto de força e desejo. Eu: desejada enfim. Aquela tela chupando meu braço. Senti o eriçar de cada pêlo. O magnetismo me queria por inteira. E eu me dei sem medo.
A vontade se fez plena. Derrubei pano de prato, a panela de pressão gritou.

Acordei suada, ofegante e sentindo o revirar dos olhos. Se o prazer existe, eu estive nele. A escuridão reinava e o calor reforçava a minha saudade. Morreria por um pouco mais. Tentei, mas não pude calar a vontade. Vergonha nenhuma tiraria de mim o gosto de sentir-me existente outra vez.

Arrastando-me pelas paredes, em estado de desejo latente, acabei na sala. O cheiro dela havia me guiado até lá. Estávamos separadas por um passo quando o inesperado se fez acontecer novamente. Atirei-me em seus braços, mas de nada valeu a investida. Minha amante, fria, já não me desejava mais.

terça-feira, 1 de março de 2011

O ANJO MAU

Para me educar quando criança, minha mãe advertia que toda a comida que sobrava no meu prato dava de comer ao anjo do mal. Eu morria de medo mas nem por isso comia tudo. É que o cinismo falava mais alto e eu só podia ser "bom de garfo" na casa alheia.
Costumava esconder cubinhos de chuchu embaixo da geladeira ou jogar meus desagrados no poço de ventilação do prédio. E essa comida sempre tinha desaparecido quando eu ia repor o estoque. Era a fome dele que comia e come tudo. E se hoje ele está vivo e solto por aí, foi porque eu o alimentei.
Mil perdões.