domingo, 22 de agosto de 2010

SACRIFÍCIOS

DOIS

Eu me distraio com qualquer besteira. E sempre desencadeio todo um conjunto de pensamentos que acabam repuxando histórias antigas. Recordações que eu mesmo não lembrava. Nada que valha a pena, mas ainda assim, é bem mais forte do que eu. A ponto de eu não poder evitar. Preciso me controlar, mesmo sabendo da minha incapacidade.

Agora, por exemplo, devo estar há horas encarando esse espelho. Pensando em mistérios, rituais e coisas sem sentido. Também estou desviando meus olhos dos olhos desse reflexo - que devia ser eu, mas não é. Essa imagem encarnou tudo aquilo que desconheço.

Estou atrasado. É incrível como eu sempre me atraso. Não estou com a menor vontade de me arrumar. Hoje é um daqueles dias em que não se deve sair de casa. Jamais deveria ter marcado esse encontro para hoje. Por que acabo sempre fazendo aquilo que não quero? Posso enumerar em lista tudo aquilo que não desejo. Mas peça-me para exemplificar o que realmente quero e o papel ficará em branco. Uma brancura tão vazia que clareia minha visão para uma coisa: não quero absolutamente nada.

Preciso correr. Estou perdendo tempo. Não posso dar voz à preguiça. Tampouco a esses pensamentos idiotas. Eu vou transformar minha vontade de faltar a esse compromisso no combustível que me fará ir de encontro a ele. Já estou quase pronto.

Ates de sair de casa, apenas mais uma olhada no espelho. Eu poderia mentir e dizer que foi apenas para checar se a roupa estava em ordem. Mas chegou a hora de ser honesto. Eu estou em frente ao espelho para me despedir. Dizer adeus a esse outro - que mesmo não sendo eu, talvez possa estar melhor do que o "eu" que vai chegar em casa em algumas horas. Porque estou partindo para um desconhecido. Pode ser que tudo corra bem, mas pode não ser, também. Vai ver, se tudo for uma merda, eu me arrependa de ter pisado fora de casa - hoje e sempre. Vai ver eu me arrependa de ter traçado o caminho escuro. Vai ver que eu conjurei minha própria sorte.

Atravessada a sala, durante os poucos segundos em que pensei que tudo daria errado porque meus pensamentos pessimistas chamariam mais negatividade, juro que cogitei a hipótese de fazer um ritual. Alguma oferta de peito aberto enquanto houvesse tempo. Um sacrifício, talvez? Felizmente, lembrei que a oferenda sou eu. E que eu é que tenho vivido esse calvário. Levar um dia após o outro, teatralizando uma "cabeça erguida", já deve ser suficiente.

Dito o tchau, eu tranco a porta com um pensamento predominante. É uma espécie de torcida que mais tarde - até que eu chegue no ponto de encontro - terá se tornado um mantra. Quando tudo acabar, e eu já estiver casa, preciso encarar aquele espelho e olhar "de cima" aquele misterioso reflexo insolente. Por favor, que tudo ocorra bem para que eu me sinta melhor do que ele!

2 comentários:

Vanessa Isis disse...

Seria muita falta de humildade da minha parte, dizer que entendo perfeitamente tudo que você falou?

Patrícia Rebeca disse...

HAHA* A nossa casa é o melhor lugar, rs
eu que o diga...
e você também (fica subtendido) UHASUASUHAS.