quinta-feira, 25 de março de 2010

O LIVRO DO GÊNESIS

Eu Tenho mesmo essa mania de desenhar anjos. Abarrotando minhas paredes. Não que toda essa revoada celestial tenha algum significado especial... Minto. Talvez - ou certamente - tenham partes já trituradas de sentimentos passados. Pontadas de sensações que à hora exata da criação me eram triunfantes. E que hoje já não as vejo com o mesmo olhar. Quando a idéia se apresenta, imediatamente me rendo aos seus pés. Sou escravo. Escapa-me por entre os dentes, digitais e pensamentos toda a arquitetura do que tenho em mente. Os planos pouco a pouco vão se alinhando transpassadamente. São uns verdadeiros desordeiros. Talvez, gostem de fazer baderna, por se embriagarem excessivamente, à grandes goles, de viciosa criatividade.

De volta aos anjos, esclareço que a preferência por esse "isso indefinível", talvez nasça de alguma devoção a toda essa carga misteriosa. O esteriótipo do cuidar - à olhos desamparados – é luz que afaga. Estariam eles, presentes, ao nosso redor? Enquanto ouço o chiar do vinil e procuro injetar clareza nessas mal traçadas linhas estariam eles esvoaçando e largando penas celestiais ao lado?

À minha ótica, pertencem fixas certas concepções fraternais sobre o que crio. O que vem através de mim, por mais que eu queria - não é meu. Pertence tão somente ao que me concedeu inspiração. E que eu sofra. “Que me deixem sentir bem mais que o ciúme”. As criações são pertences dos sonhos coreografados em meu sono - de olhos bem abertos; das ondas carregadas de sentimentos que quebram nas pedras que carrego dentro de mim; do preenchimento e aconchego que o vento traz e leva consigo; das sonoridades que também se desfazem no ar... Meus “filhos” são frutos de flores que arranquei de outras terras e que repentinamente amadureceram em minhas mãos.

Existem longos hiatos. Após a colheita, somem também as árvores. Desaparece tudo. Ficam apenas as marcas e os cortes nessa terra que nem sempre tem fertilidade a oferecer. A recuperação é concerteza menos exaustiva que o período de produção. O solo se autocicatriza com a umidade das lágrimas alegres ou tristes por lembrar – sempre - daquilo que por seus méritos, se apresenta no “aqui”e no “hoje”.

Se muito me esforço, talvez sinta o gosto típico de cada momento de criação. Assim como músicas constantemente repetidas - devida a semelhança ou identificação com determinados momentos vividos - ficam com as cicatrizes do que se sentia, sou capaz de captar –por mais que pouco- um resto de tempero do que me motivou a fazer o que fiz.

É triste e frustrante – ou talvez até não – que o tempo sempre se encarregue por destruir antigas concepções. Não revivo a totalidade da euforia que fora momentânea talvez por enxergá-la, com os olhos cheios do agora. É como se cuspisse no prato em que comi. Posso não rejeitar minha produção, mas – certamente – escantearei seus, hoje, mesquinhos motivos de existência.

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