quinta-feira, 29 de julho de 2010

EU E MINHA MANIA DE AUTO-ENTREVISTAS

Um dos motivos pelos quais eu simplesmente comecei a escrever muita coisa "fictícia" e abandonei aquele modelo de texto-desabafo metralhado de críticas ao universo e recheado de "eu acho"; "eu odeio"; "eu quero"; "eu-eu-eu, mi-mi-mi" tão típicos do início dessa página foi a incômoda e constante mudança de pontos de vista - que me fez hostilizar boa parte de tudo o que eu já houvesse escrito.

Sem esquecer de mencionar a injustiça que uma produção sofre - até mesmo pelo próprio autor - depois que ela é vista do alto de um contexto completamente avesso. Esse tipo de coisa muito me dói. Sim, porque eu sou o tipo da pessoa que, hoje, deixa um recado escrito pra você, e após muito tempo decorrido, quando você me mostra aquele singelo conjunto de verbetes, sinto além da vontade de queimar o que escrevi, um desejo louco de suicidar-me em meio as chamas do inferno com um tiro em cada mão - para que não haja perigo de que eu escreva mais nada que me faça sentir vergonha na posteridade.

Já cheguei a comentar, das mais diversas formas, essa transitoriedade dentro da minha cabeça. Tenho plena consciência de que o momento vivenciado durante os nove meses da geração, e até o próprio parto de um texto, as sensações são literalmente ofuscantes. O brilho de todos aqueles motivos que nos fazem necessitar escrever e parir essa criança de nossas mentes, sim, nos deixa deixa mais cego do que qualquer coisa. Acontece que nesse momento tudo é muito coerente. Tudo são flores e amamos (ou não) nosso filhinho-texto mais do que tudo. Eis que vêm as rotinas umas atrás das outras e nosso pequenino bebê cresce e, conforme os hormônios o vão moldando, ele se torna (inevitavelmente) um adolescente-espinhento-rebelde&rabugento que ninguém ama, tampouco compreende. O que é bem verdade, uma vez que sequer os pais o fazem. E ai? Como proceder?!

R: Abrir mão da paternidade e torná-lo um órfão indigente e andarilho pelas estradas tortuosas da literatura marginal amadora, obviamente!

... totally sad, but all true, baby

Sou um covarde. E passar a criar histórias - junto com tudo o que existe dentro delas - foi minha porta de escape para, de certa forma, "tirar minha responsabilidade da reta"e ao mesmo tempo produzir alguma coisa sempre reinventada e interessante - sem que esta seja, desnecessariamente, tão óbvia e direta quanto às frustradas críticas por mim atiradas aos quatro cantos.

Envolvo-me tanto na criação de um enredo, uma personagem, um ambiente, umas interações-circunstâncias, um começo-desenrolar-fim que quando a história já está pronta, e o que me resta é publicá-la, sinto-me abraçado por uma sensação de recompensa. Uma espécie de companheirismo falso de mim para mim. Sem tanto holofote e confete, mas é o sentimento de "dever cumprido".

Sem falar que tudo me parece bem mais interessante uma vez que é prazeroso perceber minha essência no que crio - sem que jamais compreendam isso ou me vejam. Sinto o Murilo escondido e misturado às palavras de tal forma que nem eu sei fazer distinção alguma do que há - e do que já não há.

Não se trata apenas de um cuspe de sentimentos meus - não quero um diário. Existe todo um trabalho que eu enxergo como sendo maior. Não desprezo meus sentimentos, pelo contrário. Eu os valorizo e aproveito. Apenas não os enxergo como sendo completos e nem quero encharcar palavras apenas com minhas "psicoses & achismos" - isso é egoísmo. Portanto, encaro o plural do que estou sentindo como mais um ingrediente de uma construção. Mesmo que o que eu escreva fuja completamente do que seja eu, uso o momento vivenciado para impulsionar o que for, nem que sejam as vírgulas da história.

É muito prazeroso sentir-se dono de destinos, rumos e derivados. Tudo isso sem responsabilidade alguma. As coisas apenas tomarão as dimensões que você deseja e nada fugirá do seu controle. Quando se transcreve um texto "cru", ou algo da própria vida, tendo em vista a convivência e interferências de terceiros - ou até as auto-interferências - sempre constata-se o quão impotente se é em relação a determinados termos da própria vida. Apenas enxergam-se incertezas e angústias...

E quando todo esse oceano é transcrito, existe a sensação de que se está dando vazão, um certo esvaziamento. O que nem sempre é verdade. Por experiência própria, quanto mais eu escrevia sobre a merda toda que me rodeava, estava me "monstrualizando". Cada crítica implicante, por mais melancólica que pudesse ser, fazia de mim um intolerante. Depois de muito desabafar sobre o que tanto me incomodava, eu descobri que caminhava para aquilo que eu mesmo combatia - ou achava que combatia.

Vê como é decepcionante enxergar tanto sentimento exteriorizado - algo que outrora foi tão forte dentro de você - como sendo aquilo que cortava suas próprias asas, e que só você não notava? Você pode enxergar isso? Porque é disso que eu estou falando.

Quando alguém se auto-transcreve em determinado momento, é como se fosse tirada uma fotografia - um registro demasiadamente seu. Uma fotografia, simultaneamente, de dentro e de fora. Tudo isso fica guardado. De uma forma mais integral do que deveria ser. Ou seja, mais tarde, quando em outros ares encontrares com aquele passado, tudo aquilo voltará e fará com que tenhas vontade de rir. Gargalhar daquele teu reflexo antigo.

Há quem diga que há crescimento quando se enxerga os erros antigos ao passo que os têm apenas como antigos. Hoje está por se cometer erros novos - que só mais a frente serão notados. Declaro certa evolução quando comparo meu ontem ao meu hoje. E isso é bom.

Por outro lado, talvez eu esteja apenas tentando fugir de mim enquanto escrevo histórias e as propago como sendo inventadas. "Historinhas", meras ficções... Enxergando nessa perspectiva, não se vê crescimento algum, não é verdade?
Ou talvez tudo isso seja um engano: mais um engano redondo em que eu venha a me encontrar no foco. Talvez eu esteja apenas me escondendo, mas antes que eu me arrependa de ter começado a escrever histórias, e de ter redigido todas essas supostas justificativas para ter dado início a todo esse processo, prefiro - e sei que é melhor - deixar tudo como está.

Murilo Franco.

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