sexta-feira, 22 de abril de 2011

VERÃO

    "Este fevereiro azul
    como a chama da paixão
    nascido com a morte certa
    com prevista duração

    deflagra suas manhãs
    sobre as montanhas e o mar
    com o destino de tudo
    que está para se acabar

    A carne de fevereiro
    tem o sabor suicida
    de coisa que está vivendo
    vivendo mas já perdida

    Mas como tudo que vive
    não desiste de viver,
    fevereiro não desiste:
    vai morrer, não quer morrer,

    E a luta de resistência
    se trava em todo lugar:
    por cima dos edifícios
    por sobre as águas do mar.

    O vento que empurra a tarde
    arrasta a fera ferida,
    rasga-lhe o corpo de nuvens,
    dessangra-a sobre a Avenida

    Vieira Souto e o Arpoador
    numa ampla hemorragia.
    Suja de sangue as montanhas,
    tinge as águas da baía.

    E nesse esquartejamento
    a que outros chamam verão,
    fevereiro ainda agonia
    resiste mordendo o chão.

    Sim, fevereiro resiste
    como uma fera ferida.
    É essa esperança doida
    que é o próprio nome da vida.

    Vai morrer, não quer morrer.
    Se apega a tudo que existe:
    na areia, no mar, na relva,
    no meu coração - resiste."

    Ferreira Gullar

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